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Benedict Cumberbatch consegue entregar uma atuação perfeita nessa obra de Jane Campion. Ele é vil, ambíguo, voraz, rude, torpe, visceral, animalesco e ainda consegue ser delicado ao mesmo tempo. Dos melhores de seu tempo. A diretora tem êxito em realizar a adaptação mais perfeita e intimista do livro de Thomas Savage. E ela traz bem para as telonas o mito do cowboy brutal, másculo e imaculado de um genuíno faroeste, mas que pela linda montagem logo transita para um drama de personagem excelente. Ela desconstrói o cowboy.
Campion em sua dramaturgia flerta com o terror psicológico por vezes. A maneira como ela usa a trilha sonora faz antecipar situações tensas que emulam o que o maestro Ennio Morricone produzia em “Era uma vez no Oeste” (1968). Filme que escolhe seu público e chega como um dos favoritos à temporada de premiações certamente não apenas pelo roteiro fantástico, mas porque realiza um estudo de personagem que consegue o raro fato de evidenciar 3 de seus principais atores: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst e Kodi McPhee.
Aqui seguimos dois irmãos unidos e ricos, que cuidam de seu rancho com muito amor e suor. Mas isso passa por um severo obstáculo amoroso a partir do casamento de um deles com uma mulher que tem um filho aparentemente delicado, com traços femininos para o longínquo ano de 1920 em Montana (o que presumiria a qualquer preconceituoso julgador: ser gay, ou talvez frágil, ou mesmo debilitado). E ele nunca foi fraco. As expressões corporais de todos os atores nesta obra se apresentam sempre opostas e muito comunicativas. Ao público sempre é sugerida a consequência a partir da causa do gestual, do corporal.
O medo que o Phil de Cumberbatch causa na Rose de Kirsten Dunst é orgânico. O maneirismo de Phil consegue silenciar Rose a ponto de torná-la miseravelmente infeliz por ter de conviver perto dele por força de um casamento. Ele carrega algo silenciado em seu moral, seu âmago, seu másculo jeito. A forma como parte pra cima do personagem de McPhee é aterrorizante. Ele quer fazer o mesmo que foi feito consigo num passado em que era frágil, algo que o tornou o cowboy que ele é. Mas o que vemos por parte do Peter de McPhee é uma valentia absurda, de novo, por sua expressão. Ele está sempre destemido, ombros elevados, cabeça erguida pra cima de qualquer um. Você nota claramente a proteção que ele exerce sobre a miserável mãe. Sua saga é fenomenal, visceral, corajosa, reveladora, fria e conta ainda com um plot twist brutal.
Até onde iríamos para de fato fazer o papel de protetores de nossa mãe? Campion dá uma aula sobre a marca da natureza crua do ser humano, nosso mais básico instinto. A diretora não entrega o que se quer de maneira mastigada. Ela te faz ir fundo em meio a uma sociedade que repreendia fortemente o indivíduo em diversos aspectos, principalmente sexuais. E ainda apresenta elementos, como um Peter, que certamente confrontariam bem nossa atualidade ainda preconceituosa.