Onde Assistir: Amazon Prime Video
6Nota da Hybrido
Votação do leitor 2 Votos
7.7

Não, não serei eu a primeira a não comparar Solos com Black Mirror. É impossível, eu nem tentaria. A nova empreitada de David Weil (Hunters) é uma antologia futurista em sete episódios onde se pretende mostrar que a experiência humana é intrínseca à sociabilidade. Além do elenco estelar (já vou falar chegar lá), cada episódio é praticamente uma espécie de monólogo aliado a alguma engenhoca futurista que não cumpre o que promete e acaba ou não ajudando em nada ou ainda causando dor e infelicidade ao contador da história. 

No primeiro episódio Anne Hathaway é Leah, uma pesquisadora que, em busca da viagem no tempo, acaba interagindo com diferentes versões de si mesma. Depois conhecemos Tom, personificado por um empenhado Anthony Mackie, enquanto ele dá detalhes não técnicos de sua vida e sua família para um clone que em breve assumirá o seu lugar. Consegui sua atenção né? O que poderia dar errado? A cruel realidade é os dois episódios são limitados e definitivamente não estão à altura do elenco que até entrega interpretações possíveis frente a dois roteiros rasos e um tanto previsíveis. Se a função dos episódios de abertura é despertar a curiosidade, Leah e Tom o fazem apenas por conta dos atores. Diferente de Black Mirror, que ainda se propunha despertar uma reflexão sobre moral, ética ou humanidade, Solos apenas soltou histórias ao vento.

Quem persiste e avança é premiado com três episódios onde os atores conseguem sim tirar suco dessa pedra. Helen Mirren é Peg, uma adorável senhora – a primeira a ter alguma relação com os episódios anteriores – solitária e ressentida demais consigo mesma por ter perdido coisas demais na vida pelo medo de incomodar, de ser vista e acaba se tornando invisível para o resto do mundo. Na sequência, é a vez de Sasha nos lembrar que um vírus qualquer pode disparar uma pandemia e mudar para sempre a história da humanidade. Uzo Aduba interpreta a primeira personagem que nos rouba um pouquinho de empatia, performando todas as nuances possíveis de alguém que tem toda a ansiedade dos escaldados, todas as certezas dos conspiracionistas e todos os medos de quem quer sobreviver mas teme o que nos espreita fora do isolamento imposto pelo desconhecido. 

Diferente dos episódios anteriores, tanto Peg quanto Sasha não interagem com ninguém além de um assistente de IA. As duas atrizes finalmente fazem com que a gente esqueça que o roteiro é fraco ao mesmo tempo que nos transportam para o palco de um teatro, explorando todas as possibilidades de um monólogo como só a ribalta consegue fazer. Estranhamente, identificar essa atuação teatral me fez amar e odiar o resultado, respectivamente pela atuação em si e pela confusão midiática nos meus sentidos de espectadora, afinal a gente não espera atuações assim na TV.

E quando eu já estava conformada com a distância entre o roteiro e as atuações, com a linguagem descasada do formato, eu fui surpreendida por Constance Wu e atropelada por sua Jenny. O ponto alto da série é justamente essa jovem com cara de dia seguinte, totalmente sozinha e entediada numa misteriosa sala de jantar. Temos agora um monólogo verdadeiro, sem nenhum outro artifício de interação como os episódios anteriores. E Constance começa vomitando as humilhações de Jenny com leveza e vai adicionando um tanto de sordidez à narrativa até culminar numa dor absurdamente insuportável.

Os dois últimos episódios ficam ainda menores ainda perto do que fez Constance Wu no quinto episódio. Nera (Nicole Beharie) é o primeiro não monólogo verdadeiro, mas em vez de abrir os horizontes da trama, acaba sendo um episódio sem pé nem cabeça que não explica nada e nem colabora com o canon da série. O sétimo e último episódio tem Morgan Freeman e Dan Stevens e (perdão, mas não vejo outra forma melhor de explicar) é o mais Black Mirror de todos, mas ainda assim mal arranha a superfície de possibilidades que poderiam ser exploradas pelas pontas soltas deixadas nos episódios anteriores. Pretende ser um Black Museum (o épico último episódio da quarta temporada) ligando todas as tramas mas é só mais um baita desperdício de atuação.

Talvez Solos seja só um projeto que atraiu estrelas cinematográficas vendendo monólogos como solução para subverter o distanciamento social nas filmagens. Talvez seja algo realmente ambicioso que tenha a pretensão de fazer com que nos sintamos menos sozinhos. Talvez eu não tenha entendido patavina do que David Weil quis dizer com tanta tecnologia que não dá em nada. Talvez seja só uma série não para maratonar mas sim curtir no conta gotas.