“The Flash” (2023), de Andy Muschietti
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7.2

Onde: Cinemas

 

É interessante vermos os dois espectros que The Flash utiliza em seu material promocional. De um lado, a nostalgia e a memória do Batman criado por Tim Burton lá em 1989. Do outro, o Flash de um universo da DC erguido pela ótica de Zack Snyder e que já caminha para o fim. As duas visões não poderiam estar mais opostas nesse espectro.

Se em 1989 e depois em 1992, com Batman e Batman – O Retorno, Tim Burton mergulha o Cavaleiro das Trevas em um universo que mistura o estilo gótico-cômico clássico do diretor e o tom sombrio que os leitores apreciavam nas HQs de Alan Moore e Frank Miller, a partir de 2013, Zack Snyder contou uma história sobre deuses na Terra. O Batman ali era uma visão de nós humanos: assustados pela força do Superman, da Mulher-Maravilha e do Aquaman. Já o Flash era um outro lado nosso, o do fã maravilhado com aquelas criaturas poderosas.

The Flash, filme “solo” do herói, dirigido por Andy Muschietti, de It – A Coisa, decide então brincar com esses dois espectros naquele que é o tema favorito do momento: multiverso.

Fazendo uma semi-adaptação da história que mudou os quadrinhos da DC nos últimos anos, Flashpoint, o filme traz Barry Allen (Ezra Miller) viajando no tempo para salvar a mãe e, consequentemente, o pai, preso e acusado do assassinato dela. O resto a gente já sabe, mexeu no passado, vai alterar o continuum espaço-tempo. E é aí que Barry acaba conhecendo um Bruce Wayne diferente do seu mundo: sai Ben Affleck, o Batman de Snyder, e entra Michael Keaton, o Batman de Tim Burton.

O grande mérito de The Flash é que, apesar de tudo isso e do que o marketing do filme vende, ele é uma história sobre Barry Allen, sobre seus traumas e sobre os erros e acertos do personagem. Ezra Miller está ótimo no personagem, mesmo quando o roteiro parece passar do tom na comédia. As expressões e reações de Allen são muito genuínas e a construção das duas versões do Flash na trama é bem elaborada. Mesmo que o visual dos dois Barry fosse o mesmo, Miller imprime personalidades diferentes neles e seria fácil identificá-los.

A relação de Allen com o Bruce Wayne de Michael Keaton é outro ponto forte. Uma história clássica de herói retornando ao ofício para ajudar ao próximo. Keaton distribui carisma e repete frases e trejeitos que fizeram do Batman dele um dos mais festejados.

Porém, o mesmo não pode ser dito da Supergirl de Sasha Calle. Nessa nova linha do tempo, sai o Kal-El/Superman, de Henry Cavill e entra uma nova kryptoniana, Kara Zor-El, prima do personagem. Falta carisma para a heroína e falta roteiro para que ela possa entregar algo na história. A motivação dela para entrar na luta com Barry é rasa e clichê, o conflito dela com Zod não serve em nada para a personagem e é apenas uma escada para um terceiro ato corrido – sem trocadilho – e bagunçado, que só brilha de fato em um mega momento fan-service, que realmente empolga, ou quando deixa de ser apenas barulho e foca no drama de Barry Allen novamente.

Toda a parte técnica de The Flash é muito frágil. Isso não é exclusividade do filme, todo o filão de heróis passa por isso há algum tempo já. Alguns como The Batman e Guardiões da Galáxia Vol. 3 se destacam positivamente.

Mas se o CGI e chroma key falham miseravelmente algumas vezes em The Flash, Andy Muschietti pelo menos se utiliza de uma estética cartunesca para maquiar isso. É como se uma versão live-action de Looney Tunes fosse feita e estivéssemos vendo o Pernalonga bater no Hortelino. Ou o Papa-Léguas correndo do Coiote.

Mesmo com algumas escolhas acertadas, é estranho ver como o filme desperdiça grandes oportunidades. Por exemplo:

– o Batmóvel clássico de Tim Burton dá lugar ao novo Batwing que ganha duas cenas idênticas. Se pegarmos os filmes de 1989 e 1992, Burton utiliza o carro e sempre outro veículo no ato final. Aqui só vemos o Batman fazer a mesma coisa em duas cenas diferentes.

– A Supergirl não tem momento para brilhar de fato aqui, repetindo takes de O Homem de Aço, mas sem um momento WOW, como foi o primeiro voo do Superman, no filme de 2013, ou quando ele voa por dentro do raio da máquina de terraformação de Zod, por exemplo. E por falar em Zod, de nada serviu trazer Michael Shannon de volta.

Os próprios Flash, quando chegam na batalha final, não têm muito mais a acrescentar, além do que já fizeram ao longo do resto do filme. Muschietti até tenta criar uma coisa aqui e outra ali, mas falta algo que faça a plateia vibrar pelo herói.

Aliás a grande vibração da sessão só aconteceu em uma participação especial. A mesma que o próprio diretor tratou de estragar algumas semanas atrás.

The Flash é um filme legal, mas nunca chega a ser espetacular. É divertido, tem coração e um protagonista sólido e carismático. Ezra Miller se esforçou muito nos últimos anos para enterrar esse filme. Entretanto, se isso acontecer, não é por culpa do Barry Allen que ele faz aqui.

Em uma linha do multiverso, esse filme é o sucesso de bilheteria, adoração do público e crítica que ele tinha o potencial de ser. Seja pela diversão que ele proporciona em vários momentos ou seja pelo carisma que muitas vezes a DC esqueceu de imprimir em seus filmes dos últimos 10 anos. Em outra linha temporal, o filme falha por nunca decidir quem ele quer agradar: o público mais jovem que compra o tom do filme e dialoga com o protagonista ou o público mais velho, agarrado pela nostalgia e por todas as grandes referências e easter eggs do filme.

Nessa linha do tempo aqui, ele fica no meio termo. Mas ganha um pouquinho a mais por dar tanto valor ao protagonista em meio ao caos visual e a história que se perde dentro da própria ambição.